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Obesogênicos: entenda como funcionam as substâncias que engordam sem ser ingeridas | Brazil News Informa

Obesogênicos: entenda como funcionam as substâncias que engordam sem ser ingeridas | Brazil News Informa

A pessoa quer perder peso e busca uma nutricionista. Se consulta, recebe o plano alimentar. Para seguir a dieta, organiza todas as refeições e até calcula a pesagem dos ingredientes. Antes de sair para o trabalho, prepara a marmita. O que essa pessoa provavelmente não imagina é que tudo pode estar perfeito, com exceção de um único vilão do emagrecimento: a própria embalagem de plástico do recipiente.

O combo para emagrecer não envolve apenas os atores já conhecidos: não basta ter alimentação balanceada, manter rotina de atividade física e, convenhamos, ter uma ajudinha da genética. Existe pelo menos mais um aspecto envolvido capaz de fazer alguém engordar sem precisar ingerir nada: as substâncias contidas no plástico das embalagens, em produtos de higiene e beleza, nas roupas e até no ar.

Sob o epíteto de ‘obesogênicos’, essas substâncias são compostos químicos que podem afetar o metabolismo, levando ao aumento das células adiposas - ou seja, as células que armazenam gordura. Nos últimos anos, cientistas e médicos têm se debruçado sobre o tema para entender qual é o tamanho do impacto desses componentes na saúde e no excesso de peso.

“A gente está cercado dessas substâncias e existe um conceito de que a obesidade é o excesso de massa gorda, não o excesso de peso. A gente sempre pensa em alimentação pouco saudável e sedentarismo, mas tem várias outras coisas que inflamam o corpo. Nos últimos anos, foi demonstrado que alguns compostos podem desempenhar um papel na obesidade também”, diz a médica nutróloga Sandra Gordilho, especialista em endocrinologia e em medicina estética.

Considerada uma síndrome metabólica, a obesidade tem desdobramentos que incluem desde alteração na microbiota e a resistência insulínica até alterações hormonais. Pesquisadores ao redor do mundo já elencaram ao menos 50 compostos químicos diferentes como obesogênicos e a lista pode até aumentar.

Os nomes são complexos, mas a presença deles é bem conhecida: é o caso dos ftalatos, que estão em derivados de plásticos e agrotóxicos, e do bisfenol-A (BPA), também encontrado em plásticos em geral. Parabenos, outra classe das mais lembradas, estão presentes em shampoos, desodorantes, cremes, maquiagens e até loções infantis. A lista, porém, vai muito além disso e inclui também metais pesados.

“Essas substâncias obesogênicas podem apresentar semelhanças com alguns hormônios que a gente produz e também podem promover ativações em vias de sinalização que têm relação com o aumento do tecido adiposo”, explica a médica endocrinologista Isabella Magalhães, professora de Medicina da Faculdade Zarns Salvador.

Industrial

Em geral, esses compostos são orgânicos - ou seja, contam com carbono em suas fórmulas. Se não forem orgânicos, a exemplo dos metais pesados que são inorgânicos, eles formam compostos chamados organometálicos, de acordo com o professor Martins Cerqueira, doutor em Química e diretor do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Esses últimos seriam compostos que têm pelo menos um átomo de carbono ligado a um metal.

“A lista é muito variada, mas, de modo geral, são substâncias relacionadas à atividade industrial humana. São conservantes na indústria alimentícia em geral, defensivos agrícolas usados na produção de alimentos, plásticos de modo geral e substâncias refrigerantes, usadas em aparelhos de ar-condicionado e geladeira”, afirma Cerqueira, que tem pesquisas sobre a química dos produtos naturais.

No caso dos refrigerantes, os aparelhos mais modernos dessa indústria já não usam esses compostos, mas muitos antigos podem levar a vazamentos por defeito ou pelo uso. Além disso, algumas dessas substâncias foram usadas durante tantas décadas que já estão maciçamente espalhadas por aí, na atmosfera. Antes chamados CFCs, hoje são conhecidos como polifluoroalquilados, além de serem conhecidos por terem provocados buracos na camada de ozônio.

“São substâncias presentes no nosso dia a dia, invariavelmente. Elas estão no ar que a gente respira, na embalagem para guardar alimentos ou no alimento que a gente come de modo geral também”, cita.

O exemplo dos pães industrializados é clássico. Se a pessoa come um pão feito em casa, sabe que ele vai durar poucos dias. Mas se o pão é daqueles de embalagens plastificadas, como os de hot dog ou de forma comprados no mercado, a durabilidade é bem maior - e vem justamente desses conservantes.

Mesmo alimentos não industrializados podem contar com essas substâncias. O uso de agrotóxicos de forma indiscriminada pode fazer com que elas apareçam até nos alimentos ditos ‘saudáveis’ - os preferenciais na maioria das dietas. “Você pode estar comendo alface, tomate, cebola, algum alimento saudável, mas que, na sua produção, foram usadas substâncias obesogênicas. Então, não é o tomate em si que está te engordando, mas o uso de agrotóxicos que pode contribuir com a obesidade”, completa o professor.

Até na água, é possível encontrar esses compostos. Eles ocorrem justamente pela contaminação a partir do esgoto doméstico e industrial, como aponta a farmacêutica Rosana Amorim, da Singular Pharma. Há, ainda, os que estão presentes em medicamentos. No entanto, seriam medicamentos específicos para certos diagnósticos.

Entre eles, estão alguns grupos de medicamentos como alguns antipsicóticos, alguns antidepressivos e alguns anticonvulsivantes. “Vai depender muito do quanto você usa e por quanto tempo. A gente tem um funcionamento normal no sistema imune e os disruptores ou desreguladores alteram o funcionamento normal. Com isso, podem alterar o número de células adiposas e o apetite. Pode ser algo que vai interferir no sentido de ter uma ingestão maior de alimentos”, afirma Rosana. 

Exposição

Obrigatoriamente, a obesidade é o acúmulo de tecido gorduroso. Como destaca a médica nutróloga Eline Soriano, doutora em Fisiopatologia em Clínica Médica e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), não se trata apenas de um aumento de peso, já que isso pode significar o crescimento da massa muscular.

Em geral, ela é decorrente do desequilíbrio entre as calorias ingeridas e as que são gastas pelo organismo. “Esse tecido adiposo é um tecido que libera mediadores inflamatórios e radicais livres (que podemos entender como toxinas), gerando uma cascata inflamatória e de estresse oxidativo, que leva a todas as complicações da obesidade”, explica, citando consequências como o aumento da glicose e do colesterol, além do acúmulo de gordura no fígado (a esteatose hepática) e maior frequência de doenças cardiovasculares.

O contato com os obesogênicos acontece de várias formas. “Pode ser pela inalação, pelo contato com a pele. Uma coisa que as pessoas fazem muito é deixar a garrafa de plástico com água no carro, por exemplo. O calor daquilo vai contribuir para isso (que as substâncias contaminem a água”, diz a médica Sandra Gordilho. É a mesma coisa que acontece com as marmitas de plástico - ao serem aquecidas ou congeladas, os compostos são liberados na comida.

A exposição é variada, mas o problema ocorre devido à reação química com essas substâncias. Em geral, o biotipo das pessoas se dá porque todos os organismos têm equilíbrio metabólico. Ou seja, o organismo equilibra a fome e o sono, por exemplo, de acordo com suas próprias necessidades.

"O obesogênico tende a mudar esse ponto de equilíbrio. Aquela pessoa que teria um ponto de equilíbrio comendo 'x' passa a ter equilíbrio comendo 'x' e mais alguma coisa", explica o professor Martins Cerqueira, do Instituto de Química da Ufba.

Além disso, eles induzem a formação do tecido adiposo de pior qualidade, uma vez que é esse tecido que vai captar a glicose - um açúcar - e metabolizar. Se o tecido capta menos açúcar, vai sobrar mais açúcar fora do tecido. "Se sobra mais, significa que a pessoa vai tender a ter diabetes, que é uma doença intimamente ligada com a obesidade", acrescenta.

A própria indústria de algumas áreas têm tido preocupação com parte dessas substâncias. Para a endocrinologista Isabella Magalhães, da Faculdade Zarns, a exposição teria que ser alta para que essas substâncias possam causar desregulação.

“Claro que tem que se preocupar, mas ainda não se tem o nível que isso acontece. A obesidade e a alteração hormonal têm relação com desreguladores endócrinos também porque a dieta ocidental é altamente calórica e com consumo de ultraprocessados”.

Crianças

Ainda que não se saiba ao certo o tamanho do impacto dos obesogênicos, é certo que essa exposição começa desde o útero. No caso dos bebês, o contato é ainda mais preocupante. "Quando a criança é menor, as células gordas não apenas crescem, mas se replicam porque é alguém que ainda está se desenvolvendo", diz a médica nutróloga Sandra Gordilho.

Ela cita, ainda, outro desdobramento: obesogênicos podem alterar a epigenética de um indivíduo. Ou seja, provocar mudanças no fenótipo (as características visíveis de alguém) capazes de se perpetuar.

“Você recebe uma carga genética de seus pais e o contato com esses produtos como ftalatos vai gerar uma alteração dessa expressão genética. Uma pessoa que não tem nenhuma probabilidade de ser gorda pelos pais, a depender do que ela entre em contato na vida, pode desenvolver obesidade”.

Também não é por acaso que essas substâncias fazem parte do grupo dos chamados desreguladores endócrinos. O bisfenol-A, por exemplo, ainda é frequente em produtos plásticos para crianças, que vão desde brinquedos até utensílios usados para o armazenamento de comida e do leite materno extraído.

Nos últimos anos, muitas famílias têm recorrido aos produtos que têm o selo 'BPA free' justamente por isso - significa que não há bisfenol-A no item. Os compostos também podem afetar a produção dos hormônios sexuais. Segundo a endocrinologista Isabella Magalhães, da Faculdade Zarns Salvador, há obesogênicos que se assemelham ao estrogênio, um dos hormônios femininos.

Assim, a produção de testosterona dos meninos pode ser atrasada. "Além da semelhança com a estrutura do estrogênio, pode ativar uma enzima que aumenta a transformação da testosterona em estrogênio. Então, a exposição principalmente em meninos é preocupante", afirma. Nas meninas, é possível provocar uma puberdade precoce.

Há, ainda, os desreguladores que podem atuar no eixo do hipotálamo, considerado o 'regulador mestre' de todas as glândulas. O resultado seria uma alteração na produção de hormônios tireoidianos - sua redução e, consequentemente, aumento de peso.

Rotina saudável ajuda a diminuir contato com compostos químicos

Embora largamente disseminados, é possível buscar alternativas sem obesogênicos - ou, ao menos, com uma quantidade menor deles. Mudanças na rotina, como deixar de consumir alimentos inflamatórios - em geral, os empacotados e ultraprocessados - são uma dessas medidas, como sugere a médica nutróloga Sandra Gordilho.

“Essa inflamação vai gerar estresse oxidativo, acúmulo de glicose e ácidos graxos”, explica. Se for possível buscar alimentos orgânicos, sem o uso de agrotóxico, essa deve ser uma prioridade. “Uma dica é comprar mais alimentos da feira, orgânicos. Uma coisa que eu falo muito é para diminuir o uso de plástico, que inclui até levar a própria sacolinha ao mercado”.

Na hora de escolher um detergente, por exemplo, uma saída é buscar os orgânicos. Eles podem ser feitos até em casa. Alguns cosméticos, incluindo ceras e maquiagens, devem ser evitados. Uma possibilidade é substituir os produtos de beleza pela maquiagem mineral - ou seja, à base de minerais -, cujo uso tem crescido nos últimos anos.

Outra recomendação frequente é não fumar. “O cigarro tem substâncias desse tipo, por isso o tabagismo deve ser desencorajado”, afirma a médica nutróloga Eline Soriano, da Abran. “Ter um estilo de vida saudável, com alimentação saudável, alimentos mais naturais e praticar atividade física é um caminho para começar a se livrar dessas substâncias”, acrescenta.

O cuidado que muita gente já tem com alimentos ao olhar o rótulo das embalagens deve ser ampliado para outros produtos, como sugere a endocrinologista Isabella Magalhães. “Temos que ver se esses desreguladores estão presentes. Se for um produto cosmético, é importante perguntar ao médico dermatologista se tem conservante”.

Ainda assim, como lembra o professor Martins Cerqueira, da Ufba, uma rotina totalmente livre de obesogênicos nos dias atuais é impossível - especialmente para habitantes de grandes cidades, que já estão mais expostos a esses compostos do que locais com menos atividade industrial. “No planeta Terra de hoje, ter zero exposição é impossível. Mas quanto menor a exposição, menor a influência”.

Conheça algumas dessas substâncias obesogênicas e onde são encontradas

Bisfenol A (BPA): muito usado em plásticos e resinas epóxi, é frequente em recipientes para comida (como as vasilhas de marmita), garrafas de plástico, latas de conserva e até utensílios para bebês. É um dos casos em que temperaturas elevadas podem fazer com que seja liberado e entre em contato com os alimentos.

Parabenos: são conservantes muito utilizados em cosméticos. São usados para preservar as formulações de itens como shampoos, desodorantes, cremes, maquiagens e até loções infantis.

Polifluoroalquilados: antes chamados CFCs (os clorofluorcarbonetos), são substâncias refrigerantes. Eram muito comuns em aparelhos mais antigos de geladeira e ar-condicionado, mas têm sido substituídos nos mais modernos.

Ftalatos: que estão em derivados de plásticos e agrotóxicos. São capazes de tornar produtos plásticos rígidos mais maleáveis, enquanto também podem dar aspecto líquido ou cremoso a itens de higiene.

Acrilamida: é usada tanto para produzir outra substância (a poliacrilamida), que é direcionada para o tratamento de água e remoção de impurezas, como para alimentos preparados em altas temperaturas - como as frituras.

Bifenilas policloradas: já foram muito usadas em indústrias para capacitores e transmissores elétricos, mas também em sistemas hidráulicos, resinas, adesivos e tintas.

Éteres difenílicos polibromados (PBDE): são retardadores de chamas, por isso, são comumente encontrados em materiais de construção, peças de mobiliário, tecidos, plásticos e produtos eletrônicos.

Fonte: Correio 24h


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